Quando o governo que deveria ser o primeiro a cumprir a lei escolhe desrespeitar decisões judiciais, o que resta à sociedade? Infelizmente, é isso que tem acontecido no Distrito Federal. O Governo do DF e a Secretaria de Saúde vêm acumulando episódios de descumprimento de ordens da Justiça — em um comportamento que expõe, de forma vergonhosa, o descaso com os usuários do SUS e com os profissionais que sustentam a saúde pública.

Recentemente, o Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região determinou que o GDF adotasse medidas concretas para reduzir o déficit de profissionais no Hospital Regional do Guará. A sentença, resultado de uma Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público do Trabalho a partir de denúncias do SindMédico-DF e outras entidades, reconhece o óbvio: não há como garantir atendimento digno à população quando faltam médicos, enfermeiros e técnicos em número suficiente.

O juiz Jonathan Quintão Jacob foi categórico: o governo deve recompor o quadro, assegurar um ambiente de trabalho seguro e pagar multa de R$ 5 mil por dia em caso de descumprimento — além de indenização de R$ 300 mil por danos morais coletivos, diante da omissão crônica em resolver o problema.

A resposta do GDF foi tão lamentável quanto reveladora. Chamou de “irracional e irrazoado” o pedido de adequação do quadro de servidores. Disse que não cabe ao Judiciário interferir nas “prioridades” da administração pública. Traduzindo: o governo do DF considera “irracional” garantir o mínimo de condições para que médicos e demais profissionais de saúde possam dar aos pacientes a assistência que a Constituição garante a todo cidadão. Considera “irracional” cumprir a Constituição, que assegura o direito à saúde e a redução dos riscos no trabalho.

Irracional, na verdade, é desperdiçar um orçamento bilionário — mais de R$ 13 bilhões só para a saúde em 2025 — sem resolver o problema da falta de pessoal, insistindo em remendos e terceirizações suspeitas que apenas aprofundam o caos. Irracional é achar que o Estado pode funcionar à base da sobrecarga do trabalhador e do improviso, com servidores esgotados e cidadãos sem atendimento.

Mas o desrespeito à Justiça não para aí. O Tribunal de Contas do DF determinou que cinco neonatologistas do Hospital Regional de Santa Maria permanecessem na unidade, citando nominalmente os profissionais. Mesmo assim, a Secretaria de Saúde e o IGESDF ignoram a decisão e insistem na devolução dos médicos — um ato que afronta a autoridade do próprio Tribunal e coloca em risco o funcionamento da única unidade de UTI neonatal em pleno funcionamento no DF e a assistência aos recém-nascidos mais vulneráveis da rede pública.

Esses episódios não são isolados. Formam um padrão perigoso: o de um governo que trata decisões judiciais como meras sugestões e que, ao fazê-lo, fragiliza o Estado de Direito e abandona a população que depende do SUS. Preferem pagar multas – com o seu dinheiro – do que investir em saúde.

Não podemos nos calar diante disso. É necessário continuar denunciando, acompanhando e cobrando cada medida que a Justiça determine em defesa dos profissionais e dos pacientes. Não aceitaremos que a negligência e o autoritarismo se tornem política de governo.

É um contrassenso histórico o que acontece hoje no DF: o próprio Estado, que deveria garantir a legalidade, hoje desafia as instituições que o sustentam. Quando o poder público passa a agir como réu contumaz da Justiça, todos nós nos tornamos vítimas.

Cumprir a lei não é favor, é fundamento do que faz uma República. Ignorar essa obrigação revela mais do que má gestão — mostra um grave sinal de desordem institucional. E o preço disso recai sobre quem mais precisa do Estado: o cidadão comum, tanto pacientes quanto servidores.